“Qual foi seu tempo?” - Será que esta pergunta realmente valoriza a experiência do corredor?
Devo perguntar o tempo de alguém após a corrida? Entenda por que essa não é a melhor forma de valorizar um corredor
Quando um amigo ou colega menciona que correu uma maratona ou prova de rua, a pergunta que quase sempre vem à tona é:
“Qual foi seu tempo?”
Essa curiosidade é natural. Afinal, provas têm cronometragem, rankings e metas pessoais. Mas será que essa pergunta é sempre apropriada? Ou melhor: será que ela realmente valoriza a experiência do corredor?
Neste artigo, vamos discutir por que perguntar o tempo pode limitar a conversa pós-prova e como mudar essa abordagem pode tornar a corrida mais acolhedora, motivadora e significativa para todos — do iniciante ao maratonista sub-3h.
⏱️ Por que somos tão obcecados pelo tempo?
A corrida é um dos esportes mais objetivos que existem: tempo e distância. Desde o início da jornada, aprendemos a medir o progresso com o pace, o tempo de prova, os RP’s (recordes pessoais).
Sites como Strava e Garmin Connect reforçam essa lógica. Redes sociais estão repletas de frases como “PB nos 10K!” ou “Sub 2h nos 21K!”. Nada disso está errado. Ter metas é ótimo. Mas quando só o tempo importa, caímos numa armadilha perigosa: a de transformar uma experiência rica e pessoal em um simples número no relógio.
🤯 O impacto psicológico de focar só no resultado
Segundo uma meta-análise publicada na International Review of Sport and Exercise Psychology (2022), corredores que baseiam sua motivação apenas em metas de resultado (como tempo ou classificação) tendem a apresentar:
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Maior frustração quando não alcançam a meta
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Menor satisfação com o processo de treino
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Queda de motivação em ciclos futuros
Já quem valoriza metas de processo — como controlar a respiração, manter a estratégia, enfrentar o desconforto, curtir a experiência — tem desempenho mais consistente e maior prazer na jornada.
💬 O poder de uma pergunta diferente: "Como foi sua prova?"
Quando você pergunta “como foi sua prova?” ao invés de “qual foi seu tempo?”, você abre espaço para respostas muito mais ricas. Veja alguns exemplos de respostas possíveis:
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“Achei que ia quebrar no 30, mas consegui me manter firme.”
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“Fiz meu RP, mas o que mais me marcou foi correr com meu pai.”
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“Choveu o tempo todo, e mesmo assim foi uma das melhores corridas da minha vida.”
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“Terminei! Só isso já valeu tudo.”
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“Quase desisti no 38, mas lembrei do porquê comecei a correr.”
A corrida é sobre corpo, mente, emoção, persistência, estratégia. Reduzir tudo isso a um número é empobrecer a história.
🏅 O tempo pode importar — mas não é tudo
Claro que há corredores que vão responder “foi ótimo, fiz sub-3h!” — e está tudo bem! O objetivo não é desvalorizar o tempo, mas ampliar o que valorizamos.
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Nem todo mundo corre para bater RP.
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Nem todo mundo corre para competir.
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Muita gente corre para se sentir viva, para vencer a depressão, para processar luto, para cuidar do corpo, para fazer amigos.
E essas histórias merecem tanto destaque quanto qualquer medalha de pódio.
👣 Como mudar a cultura da corrida — uma pergunta por vez
A comunidade da corrida cresce a cada ano. Iniciantes, corredores recreativos, atletas de performance… todos têm espaço. Mas para manter esse ambiente inclusivo e inspirador, precisamos refletir sobre a forma como conversamos sobre performance.
Veja algumas sugestões de perguntas que você pode fazer depois de uma prova:
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“O que mais te marcou na corrida?”
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“Você conseguiu aplicar a estratégia que tinha planejado?”
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“Teve algum momento difícil? Como superou?”
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“O que você sentiu ao cruzar a linha de chegada?”
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“Você correu com alguém ou foi solo?”
Essas perguntas celebram a jornada, não apenas o destino.
🏁 Conclusão: o relógio pode medir tempo, mas não mede história
Correr é muito mais do que performance. É sobre resistência, evolução, pertencimento. E todos esses elementos estão presentes em cada treino e prova com ou sem RP.
Na próxima vez que for parabenizar alguém, troque o “qual foi seu tempo?” por “como foi?”.
Você pode não ouvir um número, mas certamente ouvirá algo muito mais inspirador.